Sunday, June 03, 2012

Foi preciso fazer-me pai



Foi preciso fazer-me pai
foi preciso varar as noites
foi preciso colher desdém
em olhares cruzados pelas
ruas, praças e consultórios.
Foi preciso esperar os vinte
anos para hoje numa sala
escura de uma tarde quente
do outono findo, reler (ler?)
à beira de teu corpo
e sentir as beiras de meus olhos
encharcadas de lágrimas e sal.

 O mundo, filho, e se ele acaba
 no próximo segundo? Sim, minhas mãos tremem,
a voz se embarga, o grito ou gemido
morre antes de emitido, olha o meu gesto
 de quem invoca a noite que cai e pede-lhe
que acenda em lugar de tantas estrelas,
de tantas estrelas impenetráveis, uma lâmpada
desde que ligada à fonte da verdade.
É de quanto preciso, filho, para falar-te
de homem para homem, e assim entenderes
que minhas mãos, minhas mãos que tremem,
ao erguer-se como num gesto de oferta
ou prece, acenam para as paisagens
de um mundo mais claro, onde não falem,
não precisem falar como de ilha para ilha
um pai
e
um filho.

1 comment:

Anonymous said...

pungente!

LuaR