Thursday, February 20, 2014

TRANSATLANTIC



Existem duas maneiras de se entender ou fazer rock progressivo: considerá-lo um estilo musical ou considerá-lo uma 'abordagem', uma filosofia perante a música, mais especificamente o rock, embora quem 'siga' esta segunda maneira acabe por produzir coisas amiúde muito distantes do rock. Uma terceira abordagem, que entende o rock progressivo como um estilo de época é tão desprezível que nada merece senão o desprezo merecido pelos desprezíveis.

Quando pensamos no supergrupo Transatlantic parece-me óbvio que eles encaram o rock progressivo como estilo musical. Parênteses: o termo super aqui não é apenas laudatório. Superbandas são aquelas criadas com músicos já conhecidos por sua excelência no métier. Cream foi a primeira superbanda do rock, ELP, a primeira do rock progressivo, Il Volo, um supergrupo do progressivo italiano.

Ao reunir músicos do Spock's Beard (e solo), Flower Kings, Marillion e Dream Theater, o Transatlantic é o grande exemplo do rock progressivo contemporâneo de uma superbanda, para o bem e para o mal.

Por muito tempo, contrariando axiomas, a soma do talento dos quatro não apenas não era igual, mas menor que a soma das partes. Quando eles ainda tinham que estampar na capa dos álbuns SMPTE e colar adesivos lembrando-nos de suas origens gloriosas, faziam música demasiado formulaica e derivativa.

Isso começa a mudar com The Whirlwind, terceiro trabalho lançado nove anos depois da estreia. Neal ajuda Roine a aparar os excessos e conseguem arredondar suítes longas (marca registrada) de maneira admirável, como só um grande músico do rock progressivo ou da música erudita consegue. NMHO, até Beethoven pode vir a falhar aqui, produzindo chatices adiposas como o concerto para violino.

Com Kaleidoskope, mais um passo foi dado. Transatlantic toca aos quatro ventos ::: somos uma banda de rock progressivo, não temos vergonha disso. Fazemos longas suítes, recorremos a chavões, a melodias simples, a letras singalong, mas tudo com tanta tanta soberba maestria. Na primeira ouvida, somos pescados. Na segunda, saímos assobiando. Na terceira, tudo é tão familiar que pensamos mesmo que fomos nós que escrevemos aquilo. E aquilo é de uma lindeza do cacete.

Transatlantic é o big mac do progressivo, o vinho Barolo, a massa suculenta, a Oitava de Mahler. Fiquem outros com as sutilezas e dificuldades, aqui é a celebração apolínea, solar. O próprio CD bônus explicita o ser / fazer rock progressivo desavergonhadamente (viu, Steve Wilson?): covers de Yes, King Crimson, Focus, Moody Blues, Procol Harum.

O Grando Funk estampou em 73: We're an American Band; o Transatlantic alardeia We're a Progressive Band! Para o delírio dos progheads que nunca se cansam e imploram mesmo só mais uma musiquinha, na esperança de tocarem ou bisarem uma suíte de 30 minutos.

E eu quero é mais. Agora que Neal aprendeu o caminho, que volte ligeiro para tocar clássicos do Spock's e o One e o ? de fio a pavio. E Roine, que já tocou em um pequeno teatro no Flamengo em show que me arrependo até hoje de não ter ido, volte com os Reis das Flores para iluminar a noite.

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