Monday, June 15, 2015

Doçura venenosa de tão funda ::: Soneto Embrechado de Ana Cristina César



Das melhores representantes da poesia marginal dos anos 70, Ana Cristina César não escreveu versos rimados ou metrificados. Digam que isso é óbvio, que os poetas dessa geração não escreveram versos metrificados e eu lhes apresento o Tite de Lemos, amigo da Ana e do Armando Freitas Filho, um verdadeiro ás do soneto, sobre quem escrevi aqui.

Eu poderia dizer ainda que, sim, Ana também escreveu um soneto, em heptassílabos muy pessoanos, mas ele não é lá nem cá grande coisa.

Então o que fiz foi desentranhar de seus poemas, os mesmos lidos e relidos pelos fãs, decassílabos perfeitos.

a) às vezes o decassílabo é título do poema

b) às vezes está no meio do poema

c) às vezes é parte de um verso maior

d) às vezes é quase um deca, que rasurei para o ser

Vejam  ::

a)

Atrás dos olhos das meninas sérias

Aventura na casa atarracada

b)

"e a voz rascante da velocidade"

"Desde que o Sombra me falou de amor"

"Antes que você parta pro teu baile"

"Mesa posta, e as garras da vontade"

"Desde que voltei tenho sobressaltos
 ao ouvir tua voz ao telefone"

"ancorar um navio no espaço"

c)

daqui que eu tiro versos, desta festa -- com"

"Tarde da noite recoloco a casa toda em seu lugar"

"Fotografar era pescar na margem relvada do rio"

"Saudades do rigor de Catarina, impecável"

"ou apenas me castiga com seus uivos"

d)
"de uma doçura
venenosa
de tão funda"

"Alguns estão dormindo de tarde" vira "Alguns estão dormindo pela tarde"

"Consolatriz cheia de vontades" vira "Consolatriz tão cheia de vontades"

"noite pela fome tenra que papai me deu" vira "a fome tenra que papai me deu" que vira "a fome tenra que você me deu"

 
 E assim escrevo um soneto com os versos da Ana Cristina, colando os versos, à maneira de embrechados ::


Desde que voltei tenho sobressaltos
ao ouvir tua voz ao telefone
Desde que o Sombra me falou de amor
Fotografar era pescar na margem

Ancorar um navio no espaço
e a voz rascante da velocidade
antes que você parta pro teu baile
mesa posta, e as garras da vontade

Daqui que eu tiro versos, desta festa
doçura venenosa de tão funda
aventura na casa atarracada

Consolatriz tão cheia de vontades
a fome tenra que você me deu
apenas me castiga com seus uivos



embrechados no Alto da Boa Vista

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