Sunday, May 07, 2017

Cuenca, Sérgio Sant'Anna e a Literatura Selfie



Gostei bastante do mais recente livro de contos de Sérgio Sant'Anna, O Conto Zero, com exceção de "Vibrações", o terceiro conto, desgraçadamente de longe o mais longo do volume, estendendo-se por um terço da obra. São sessenta páginas que, tão logo terminei a leitura, dividi com a Camila, que já lera: parecem o relato de um tiozão na noite de 24 de dezembro tentando impressionar seus sobrinhos de 13 anos. Os meninos, claro, quedam-se mesmerizados à verborragia das histórias de bebedeira e sexo e traição. Os 'nomes importantes', esses eles não pegam, mas lhes fazem cócegas à curiosidade.


Descobri que estava morto, de J.P. Cuenca, que peguei para ler logo depois, é todo ele o terceiro conto do Sérgio Sant'Anna, sem tantos nomes importantes, que o narrador faz de tudo para ressaltar o quão desimportante ele é, esperando os tapinhas nas costas de "Que isso, João, tu é foda".

O romance de Cuenca tem algo de Gatsby, não por acaso mencionado por três vezes. A diferença é que Nick Carraway é narrador fascinante, prenhe do melhor wit, que não temos aqui.

Cuenca não é bobo e espalha por toda a narrativa o antídoto de sua realização, que faz sair, por exemplo, da boca de Maria da Glória, jovem estudante paulista de pós-graduação, cujas palavras iniciais causam-lhe "uma pontada instantânea de vaidade" na próstata, para em seguida deixá-lo no chão. Isso não salva.

A tentativa de enquadrar o romance no momento histórico das transformações do Rio causadas pelo Pan, Copa e Olimpíadas não faz dele um Gonzaga de Sá, pelo didatismo.

Nos seus poucos bons momentos, a última parte, por exemplo, se aproxima de Um Estranho em Goa, do Agualusa, sobre o que escrevi, há muitos anos: "Relativamente pobre em diegese, o romance revela-se palco privilegiado de discussões de questões identitárias". Para Descobri que estava morto, parafraseio-me: Definitivamente pobre em diegese, o que não é um problema, o romance revela-se palco privilegiado para que possamos contemplar deslumbrados um ego inflado que jurou amor eterno a si mesmo.

Literatura selfie, com carradas de "autoestima delirante e inversamente proporcional às suas realizações" (p. 73).

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